31 março 2006

untitled #2

- Estou a apaixonar-me de ti.
- Não te podes apaixonar por mim.
- De ti.
- Por mim.
- Porquê?
- Não sabes quem sou. Não me conheces. Só me ouves. Só me lês. Eu represento. Eu actuo. Para ti. Eu minto. Invento palavras que não são minhas e faço frases. Tu ouves essas frases. Mas eu não sou essas frases.
- És o espaço em branco entre essas frases. És o silêncio entre as palavras.

(pausa)

- Estou a apaixonar-me de ti.
- Não te podes apaixonar de mim.
- Apaixono-me pelas tuas imagens, preenchidas e em branco.
Por exemplo este diálogo. Este diálogo só existe na minha cabeça. É só na minha cabeça que dizes que não me posso apaixonar de ti. Não faz diferença. Sendo eu ou tu a dizer que não me posso apaixonar de ti é igual. Apaixono-me e pronto.
Um “não” só conta na acção, nunca no desejo. O desejo desafia todas as regras, a acção não. O desejo é livre, a acção compromete-se com o que lhe é exterior.
Por isso posso desejar-te toda, a tua raiva, o teu medo, a tua angústia, o teu ódio, a tua ternura, as tuas fragilidades, que me acaricies, que me magoes, que me ames, que me batas, que durmas comigo, que me desprezes, me pises, me veneres, me ignores, me expulses da tua vida. Posso desejar tudo. Posso desejar-te toda.
Porém dentre todas estas possibilidades que encerras em ti, apenas algumas se abrirão para mim.
- Pára.
- Páro.
- Não sabes o que dizes. Não sabes o que queres. Não sabes quem sou. Não te podes apaixonar por mim.
- De ti. Apaixono-me daquilo é teu e permanece em mim. Não és tu. São partes de ti.

(pausa)

- São partes de ti que me fazem querer-te toda.
- Pára.
- Não posso.



Setembro 05

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