22 setembro 2005

as palavras do costume

uma nota mais. silêncio. pausa. recomeças. a tua voz martela os caminhos conhecidos do meu cérebro, convoca os neurónios do costume. as palavras que repetes já não fazem sentido. são só som sem significado, e tu um peixe fora de água, a abrir e fechar a boca. as tuas palavras já nem me fazem chorar. resta este vago incómodo que se sente quando não se sente nada, mas se sabe que se devia sentir alguma coisa.

posso adivinhar a cadência das tuas palavras, os saltos no discurso. sei que daqui a dois, três minutos vais começar a chorar, depois irás dizer que já não te amo, depois que a tua mãe tinha razão em relação a mim, que não passo de um saco de escumalha que colecciona mulheres como se fossem selos de países visitados no passaporte.

houve uma altura em que as tuas palavras me feriam. houve uma altura em que te amei e as tuas palavras feriam-me. agora repetiste-as tantas vezes que já não as ouço. nem sei sequer se te amo. ainda.

12 setembro 2005

untitled #1

desisti da minha humanidade
deixei as dúvidas de lado
atirei-me à vida num mergulho na piscina que se sabe ser pouco funda
raspei com o queixo nos azulejos do fundo
e enchi os pulmões de água salgada

desisti principalmente dos entendimentos
tácitos
ou expressos
de mãos vazias encontrei-me
numa livraria qualquer com os clássicos
da literatura inglesa
pré-vitorianos vitorianos e pós-vitorianos
apenas para concluir que gosto de sexo
o cheiro abandonado de outro corpo no meu
memórias de saliva e suor

o fatal reconhecimento que o amor começa no final de uma noite de sexo quando se deixa essa marca alheia de saliva suor e demais fluidos impressa no corpo
o fatal reconhecimento que o amor começa a acabar quando se toma um duche a seguir ao sexo

torturo-me devagar passeando por palavras que conheço
deixo-as pousar
ácido a corroer as entranhas da memória
deixo-as ficar

se tivesse nascido no início do século passado
teria passeado por bloomsbury
e escrito odes ao sémen ao tédio às máquinas às mulheres
em rimas livres mas com sentido de ritmo
como nasci no final do século passado
vejo a vh1 e não escrevo odes
não sei dançar não tenho sentido de ritmo não sei escrever poesia não conheço o sabor do sémen nem a agitação do tédio nem a sacralidade das máquinas nem tão-pouco finjo amar as mulheres
mas posso dar-me ao luxo de ousar porque todas as regras foram já quebradas

o fatal reconhecimento que o amor acabou

desisti da moral da ética da bondade natural
num mundo cão há que ser cadela
de preferência fácil
e aproveitar as flores pelo caminho
a ética é um sapo num bolso
os meus bolsos são pequenos
só o tamanho suficiente para um par de luvas lubrificante preservativos
o desejo trago-o no corpo
arrumo-o e desarrumo-o a jeito
à espera das palavras certas

ponto final.

07 setembro 2005

esperanças (palimpsesto/ plágio a partir de pessoa)

não espero nada
esperando, não espero nada
não posso sequer conceber esperar algo
exceptuando as esperanças que se esperam aos 25