12 setembro 2005

untitled #1

desisti da minha humanidade
deixei as dúvidas de lado
atirei-me à vida num mergulho na piscina que se sabe ser pouco funda
raspei com o queixo nos azulejos do fundo
e enchi os pulmões de água salgada

desisti principalmente dos entendimentos
tácitos
ou expressos
de mãos vazias encontrei-me
numa livraria qualquer com os clássicos
da literatura inglesa
pré-vitorianos vitorianos e pós-vitorianos
apenas para concluir que gosto de sexo
o cheiro abandonado de outro corpo no meu
memórias de saliva e suor

o fatal reconhecimento que o amor começa no final de uma noite de sexo quando se deixa essa marca alheia de saliva suor e demais fluidos impressa no corpo
o fatal reconhecimento que o amor começa a acabar quando se toma um duche a seguir ao sexo

torturo-me devagar passeando por palavras que conheço
deixo-as pousar
ácido a corroer as entranhas da memória
deixo-as ficar

se tivesse nascido no início do século passado
teria passeado por bloomsbury
e escrito odes ao sémen ao tédio às máquinas às mulheres
em rimas livres mas com sentido de ritmo
como nasci no final do século passado
vejo a vh1 e não escrevo odes
não sei dançar não tenho sentido de ritmo não sei escrever poesia não conheço o sabor do sémen nem a agitação do tédio nem a sacralidade das máquinas nem tão-pouco finjo amar as mulheres
mas posso dar-me ao luxo de ousar porque todas as regras foram já quebradas

o fatal reconhecimento que o amor acabou

desisti da moral da ética da bondade natural
num mundo cão há que ser cadela
de preferência fácil
e aproveitar as flores pelo caminho
a ética é um sapo num bolso
os meus bolsos são pequenos
só o tamanho suficiente para um par de luvas lubrificante preservativos
o desejo trago-o no corpo
arrumo-o e desarrumo-o a jeito
à espera das palavras certas

ponto final.

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